Manifesto dos participantes do VIII Congresso de Familiares Parceiros do Cuidado (NUPPSAM / IPUB / UFRJ)

Em 21 de dezembro de 2020, o NUPPSAM realizou o VIII Congresso de Familiares Parceiros do Cuidado.
Agora, os participantes do congresso tornam público o Manifesto em que repudiam os ataques sofridos pela saúde mental brasileira e declaram seu apoio à Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimonicomial.

Leia a íntegra do documento:

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2020.

Nós, participantes do VIII Congresso de Familiares Parceiros do Cuidado, organizado pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental (NUPPSAM) do IPUB/UFRJ, que ocorreu de maneira virtual no dia 11 de dezembro de 2020, deliberamos a criação deste manifesto como forma de repudiar os ataques que a saúde mental vem sofrendo e apoiar a Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial. Tais ataques ameaçam preceitos já instituídos e conquistados por meio da ampla movimentação e atuação social, e que estão presentes na Reforma Psiquiátrica e na Luta Antimanicomial.

A reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), realizada no dia 03 de Dezembro de 2020 pelo atual Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, em meio à grave pandemia da Covid-19, dentro de um contexto de crise econômica e sanitária, é uma expressão e ataque direto ao modelo conquistado pelos usuários, familiares, cuidadores, trabalhadores e movimentos sociais. A reunião foi pautada na proposta de um novo modelo de atenção baseando-se no documento nomeado como “Diretrizes para um modelo de Atenção em Saúde Mental no Brasil”, assinado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Este documento apresenta propostas para ampliação, investimentos e retorno dos hospitais psiquiátricos – conhecidos como manicômios – e dos ambulatórios como principais serviços na Saúde Mental, enfatizando a ampliação de leitos para internações, inclusive as compulsórias, e de crianças e adolescentes. Propõe também a extinção de dispositivos do SUS, tais como, o Consultório na Rua (CnaR), o Serviço Residencial Terapêutico (SRT) e a Unidade de Acolhimento (UA), além de questionar, de maneira perversa, a real eficácia e importância dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Ademais, sugere a revogação de cerca de 100 portarias sobre saúde mental editadas entre 1991 e 2014, em prol de um modelo hospitalocêntrico, estigmatizante das usuárias e dos usuários, e, sobretudo, desumanizador.

A mudança de paradigma na Atenção Psicossocial através da Reforma Psiquiátrica esteve relacionada à maior autonomia do usuário, sendo este um sujeito de direitos, além da compreensão do espaço comunitário como prioritário para o cuidado das pessoas em sofrimento. O cuidado e o tratamento deixou de ser centrado na doença e no profissional para ser centrado no usuário, tendo como aliados a família e a comunidade, o que provoca o fortalecimento dos laços sociais e familiares, e nos aproxima de um cuidado humanizado.

O antigo modelo manicomial, pautado nas internações prolongadas, isolava os usuários de suas redes sociais e famílias, que por vezes eram até mesmo culpabilizadas pela doença. A portaria Nº 336/2002, que define as diretrizes de funcionamento dos CAPS, inclui, como trabalho pertencente a este novo modelo, o atendimento às famílias dos usuários, por uma equipe interdisciplinar, diferentemente do exposto no documento da ABP, que tem a premissa do psiquiatra enquanto profissional central no trabalho a ser realizado. No Brasil, a maioria dos familiares cuidadores residem com os usuários, o que muitas vezes pode contribuir para uma elevação das sobrecargas de trabalho. Dessa forma, o atendimento e a rede de suporte e ajuda mútua que é construída dentro dos serviços pelos próprios familiares contribuem para um maior esclarecimento, compartilhamento de experiências e conhecimento entre os familiares, diminuição da sobrecarga sentida e das crises intrafamiliares, além da construção de confiança entre os cuidadores e as/os profissionais, auxiliando na diminuição da dependência do usuário.

Entende-se que a família, ao ser parceira no acompanhamento terapêutico do usuário, pode facilitar a adesão deste ao tratamento, além de sua inclusão social. Assim, quando a família é inserida neste trabalho, torna-se também peça chave no processo de desinstitucionalização, diferente do modelo manicomial, onde a família nem sequer era reconhecida como uma possível parceira e gestora do processo terapêutico.

Compreendemos, através do que fora conquistado e hoje pode ser vivido, a importância de práticas profissionais que objetivam o protagonismo e empoderamento de usuários, familiares e cuidadores, entendidos assim não somente enquanto corpos a serem violentados por métodos torturantes mascarados de tratamentos, mas sim como sujeitos autônomos. Nessa lógica, o que estamos presenciando é um processo de desmonte já em curso e uma tentativa de desacreditar os diversos dispositivos criados e integrados à rede de atenção psicossocial, assim como aos trabalhos realizados por meio destes até agora.

Qualquer ato que se relacione à Saúde Mental deve respeitar a luta, o protagonismo, as vivências e as falas de usuárias e usuários, familiares, trabalhadoras e trabalhadores que vivem participando cotidianamente da Política Nacional de Saúde Mental, e deve ser feito democraticamente, com transparência e, principalmente, muito diálogo. Nada sobre nós sem nós!

Participantes do VIII Congresso de Familiares Parceiros do Cuidado.